segunda-feira, 15 de junho de 2015

Nada, como eu

Confesso que me comovem os Homens simples, de imagem e postura esculpidas no ateliê do sorriso fácil e olhar expressivo, ávidos de atenção, de momentos de subversão do status da ausência, dolorosa, porque decorrente da indiferente presença de outros, de confusa proveniência, mas de diversa proeminência, postura, e até, prepotência.
Esses, os que me comovem, cujo tempo socalca o rosto, endurece a pele, subtrai o esmalte e ofusca o brilho, mendigam o tempo, de partilha, comunhão, participação.
Presentes, estão ausentes, ocupados em tarefas importantes, relevantes, que não dispensam o uso da mão, gretada e forte, desses, ausentes, sempre presentes, mendigos do tempo, de atenção, reconhecimento, gratidão.
Esses, os que me comovem, ocupam o espaço, vazio, na multidão da indiferença, olham em redor, com olhar expressivo, e percebem a ausência da consciência da sua presença, são nada, nadas, numa solitária existência, individual ou adicionada, mas cuja soma é, invariavelmente, nada.
Suceder-se-ão os dias, os meses, os anos, e esses, os que me comovem, limitados no tato, no afeto, na atenção, continuarão a ver subtraída a razão adstrita à nobre ilusão de, sendo o que são, serem, como os outros, parcelas de uma mesma adição.

Aos Homens simples


sexta-feira, 12 de junho de 2015

Da inexorável timidez ao inelutável disfarce

Hoje quero ser injusto, desculpa. Hoje, consciente e deliberadamente quero ser injusto, só hoje, agora, agora que não estás presente, agora que te fazes notar, ausente.
Quão falsas a humildade e discrição com que te aproximas, invades o espaço, condicionas os dias, discreta, protegida, escondida, sempre escondida, deixando que outros, na efetivação de uma seleção criteriosa de pessoas, circunstâncias, momentos ou, até ele, lindo, vermelho, gigante, escaldante, num qualquer fim de dia junto ao mar, façam sentir a tua presença, a tua vontade de ser extasiante, querida, desejada, apaixonante, para depois, quando partes, deixares o rasto da ressaca da ausência, do medo, medo de não poder ter, ver, ser.
Chegaste cedo, muito cedo, à primeira alvorada, disfarçada, sempre disfarçada, de um beijo, um abraço, de uma cócega, que de tanto rir, quase torturava.
Ficaste ali, junto de mim, percebendo que a minha imaturidade não permitia ver, perceber, sentir o que estava a acontecer, porquanto sem exigência ou contrapartida estavas presente, desde que acordava até que me deitava, embalado pelo teu abraço camuflado, disfarçado de um beijo, um sorriso e um desejo.
Fui injusto, sei agora. Mas tu, madura, vivida, sempre discreta, escondida, nunca me alertaste, nunca me chamaste, à razão, à razão de ser grato, justo, consequente, presente.
Por isso, hoje, hoje quero ser injusto, contigo, que nunca tiveste a coragem de aparecer sem o disfarce de um beijo, um abraço, um amigo, num momento meu, só meu, contigo.
Desculpa, desculpa a dureza do discurso, mas só quero, sendo justo, poder agradecer o quão, mesmo quando ausente, te fizeste sentir presente.


Carta à felicidade.

quarta-feira, 10 de junho de 2015

Ilusão ou, a real importância do sufixo

Frequentemente ouço/oiço falar de educação. Modelos, sistemas, metas, avaliação, formação e, permitam-me, acrescento eu, confusão.
Adoção, investigação, transição, retenção, aprovação, reprovação e, permitam-me, acrescento eu, confusão.
Terminação. À imagem de um qualquer jogo de sorte, na redação, enquanto processo de construção de um texto, palavra ou expressão, a disposição, sucessão dos elementos matriciais, prossegue a inteligibilidade, constituindo os sufixos, independentemente do tipo, um relevante instrumento do processo.
Discursos, ora vazios, porquanto isentos de densidade, conhecimento, noção da, ou do que consubstancia a ação, que se entende educativa, ou, alternativamente, demasiado axiomáticos, peço desculpa pela dimensão redutora da dicotomia, que não é, obviamente, totalmente correta, alicerçados num conjunto de verdades, tidas como absolutas, que conferem ao discurso uma dimensão dogmática de crença, traduzem, permitam-me, acrescento eu, confusão.
O Ensino, enquanto ação sistemática de transmissão, qual ciência da inventariação do que existe e das relações, múltiplas e complexas, com a razão de ser, fundamental, saber, compreender, aprender, desenvolver, ser, ser capaz, parece, muitas vezes arredado desta discussão, permitam-me, acrescento eu, confusão.
Há dias ouvi falar de educação, corrijo, a expectativa era ouvir falar de educação, não obstante, talvez por deformação, minha, obviamente, não, julgo não ter ouvido falar de educação.
Territorialização, dimensão espacial da educação, ouve-se falar. Bem sabemos que “estamos a caminho de um território marítimo 40 vezes superior ao terrestre, 97% de Portugal é mar”, talvez por tal motivo, o extraordinário poder semântico do aumentativo ão, determinará a confusão. Talvez sim. Corrijo, talvez não.
Iremos falar de educação.




segunda-feira, 8 de junho de 2015

Da ortodoxia da 1.ª pessoa à ausência de métrica

Chego, sem convite, sem me anunciar
De modo, ora brusco, ora devagar
Surpreendo, perturbo, chego a acriançar
Ninguém, não importa o género, consegue ignorar

Chego, violentamente, mas sem magoar
Promovo mudanças, condiciono tudo, chego a abusar
Confesso, sou a responsável, não posso negar
Acusam-me, acusam-me até, de quase matar

Invocam o meu nome, não posso evitar
Quando me maltratam, fico a pensar
Cometem um erro, não posso alertar
Se me evocarem, posso lacerar

Terrível rotina, ouço comentar
Esgotei o meu tempo, dizem, a soluçar
Não, não acredito, não posso acreditar
Um dia regresso, e quero ficar


Paixão – Jorge Ventura

sábado, 6 de junho de 2015

O admirável mundo do ERRO

Desconheço quando, onde e porque aconteceu o meu momento, único, irrepetível, pessoal e intransmissível. Só meu.
Num mundo extraordinário, onde as leis da concorrência, a regulamentação competitiva e a exatidão matemática não observam nenhuma norma estabelecida, ele aconteceu.
Num caminho de direção única e de sentidos opostos, nesse mundo, extraordinário, de onde venho, dois desconhecidos, homologaram uma relação para a vida, subvertendo a matemática e a gramática conhecidas. Unidos, puderam dizer de modo determinado e confiante, o nós, sou eu e, um, dois, três, quatro ou, até cinco, podem ser a soma de uma mesma adição.
Emancipação, autonomia, vida, nova vida, nesse mundo, extraordinário, de onde venho, e, de onde, num golpe, treinado, de uma qualquer mão, numa cisão, corte, me roubaram.
Chorei, gritei, senti pânico e acalmei, quando me aproximaram da sua atmosfera, desse mundo, extraordinário, onde o oxigénio existe em estado líquido e o inverno não se distingue da primavera.
Emancipação, autonomia, vida, nova vida. Num segundo momento, eu, num novo mundo, onde o oxigénio existe em estado gasoso e o inverno se distingue da primavera, novamente, único, irrepetível, pessoal e intransmissível. Só meu.
Voltei a chorar, a gritar, a sentir intranquilidade e a paz do abraço atmosférico desse mundo, extraordinário, de onde venho.
Neste mundo, novo mundo, estudei Matemática, gramática, Economia, Filosofia e Astronomia. Aprendi rudimentos, vivi novos momentos, repetidos, partilhados, gratificantes, gratificados. Vivi. Vivo, neste mundo, novo mundo, emancipado, onde, ainda choro, rio, abraço, sou abraçado, pela vida, iniciada, num momento, desconhecido, já longínquo, mas recordado, onde o erro, hoje, ainda hoje, é apaixonadamente procurado.

À vida.