sexta-feira, 12 de junho de 2015

Da inexorável timidez ao inelutável disfarce

Hoje quero ser injusto, desculpa. Hoje, consciente e deliberadamente quero ser injusto, só hoje, agora, agora que não estás presente, agora que te fazes notar, ausente.
Quão falsas a humildade e discrição com que te aproximas, invades o espaço, condicionas os dias, discreta, protegida, escondida, sempre escondida, deixando que outros, na efetivação de uma seleção criteriosa de pessoas, circunstâncias, momentos ou, até ele, lindo, vermelho, gigante, escaldante, num qualquer fim de dia junto ao mar, façam sentir a tua presença, a tua vontade de ser extasiante, querida, desejada, apaixonante, para depois, quando partes, deixares o rasto da ressaca da ausência, do medo, medo de não poder ter, ver, ser.
Chegaste cedo, muito cedo, à primeira alvorada, disfarçada, sempre disfarçada, de um beijo, um abraço, de uma cócega, que de tanto rir, quase torturava.
Ficaste ali, junto de mim, percebendo que a minha imaturidade não permitia ver, perceber, sentir o que estava a acontecer, porquanto sem exigência ou contrapartida estavas presente, desde que acordava até que me deitava, embalado pelo teu abraço camuflado, disfarçado de um beijo, um sorriso e um desejo.
Fui injusto, sei agora. Mas tu, madura, vivida, sempre discreta, escondida, nunca me alertaste, nunca me chamaste, à razão, à razão de ser grato, justo, consequente, presente.
Por isso, hoje, hoje quero ser injusto, contigo, que nunca tiveste a coragem de aparecer sem o disfarce de um beijo, um abraço, um amigo, num momento meu, só meu, contigo.
Desculpa, desculpa a dureza do discurso, mas só quero, sendo justo, poder agradecer o quão, mesmo quando ausente, te fizeste sentir presente.


Carta à felicidade.

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