Hoje
quero ser injusto, desculpa. Hoje, consciente e deliberadamente quero ser
injusto, só hoje, agora, agora que não estás presente, agora que te fazes
notar, ausente.
Quão
falsas a humildade e discrição com que te aproximas, invades o espaço,
condicionas os dias, discreta, protegida, escondida, sempre escondida, deixando
que outros, na efetivação de uma seleção criteriosa de pessoas, circunstâncias,
momentos ou, até ele, lindo, vermelho, gigante, escaldante, num qualquer fim de
dia junto ao mar, façam sentir a tua presença, a tua vontade de ser extasiante,
querida, desejada, apaixonante, para depois, quando partes, deixares o rasto da
ressaca da ausência, do medo, medo de não poder ter, ver, ser.
Chegaste
cedo, muito cedo, à primeira alvorada, disfarçada, sempre disfarçada, de um
beijo, um abraço, de uma cócega, que de tanto rir, quase torturava.
Ficaste
ali, junto de mim, percebendo que a minha imaturidade não permitia ver,
perceber, sentir o que estava a acontecer, porquanto sem exigência ou
contrapartida estavas presente, desde que acordava até que me deitava, embalado
pelo teu abraço camuflado, disfarçado de um beijo, um sorriso e um desejo.
Fui
injusto, sei agora. Mas tu, madura, vivida, sempre discreta, escondida, nunca
me alertaste, nunca me chamaste, à razão, à razão de ser grato, justo,
consequente, presente.
Por
isso, hoje, hoje quero ser injusto, contigo, que nunca tiveste a coragem de
aparecer sem o disfarce de um beijo, um abraço, um amigo, num momento meu, só
meu, contigo.
Desculpa,
desculpa a dureza do discurso, mas só quero, sendo justo, poder agradecer o
quão, mesmo quando ausente, te fizeste sentir presente.
Carta
à felicidade.
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