domingo, 31 de janeiro de 2016

A inconstitucional incoerência


Não será inverosímil presumir que num dos órgãos onde mais se prossegue, invoca e afirma a verdade, possa acontecer, grosseira e escandalosamente, a mentira.
Não é, igualmente, inverosímil constatar que nos locais onde mais se trabalha, enuncia e procura a saúde, se assuma consistente e definitivamente a doença.
Não será, ainda, inverosímil acreditar que onde mais determinante é observar e traduzir a coerência, mais se sobrestime a incoerência.
Há dias, num dos programa/debate subsequentes à eleição do próximo Presidente da República, dois constitucionalistas, assim ditos pela apresentadora e não contrariado pelos próprios, debatiam, a determinado tempo, a inconstitucionalidade ou constitucionalidade do último ato do atual Presidente da República relativo a uma Lei da Assembleia da República.
Lembravam, do alto da sua cátedra, que os tempos constitucionais se contam seguidos e, assim, se o documento foi enviado a 30 de dezembro, então seria inconstitucional, mas se foi remetido a 4 de janeiro, então seria constitucional.
Perguntei-me, na altura, não ignorando a relevância e caráter perentório dos prazos no exercício do direito, como se comportariam estes dois ilustres constitucionalistas perante um ou mais cidadãos que, não obstante o seu desconhecimento, possam viver sem abrigo em alguma cidade portuguesa.
Amanhã, o primeiro sucederá ao último, mas não será incoerente, pois o calendário não carece de interpretação constitucional e está definido desde tempos imemoriais.

Jorge Ventura